domingo, 4 de novembro de 2012

Educar: Uma Escolha!


“Diante de tantas mudanças e avanços, embora não pareça, a escola passa a ser um referencial ainda maior para alunos e suas ‘novas’ famílias.”
A Educação encontra-se diante da impossibilidade de tudo saber e responder, não há certezas prontas e acabadas, o momento atual nos convida a fazer uma passagem, da certeza à incerteza. Das respostas prontas a perguntas em aberto. Vivemos um momento de travessia, com novas configurações familiares, aumento significativo da violência, avanço da tecnologia, mudanças e mais mudanças.
Diante de tantas mudanças e avanços, embora não pareça, a escola passa a ser um referencial ainda maior para alunos e suas “novas” famílias, lembrando que a escola é habitada por pessoas que também estão em processo de mudança.
Mudança sugere outra forma de pensar, agir e interpretar, olhar o cenário atual é reinterpretar os sinais visíveis e invisíveis; professores desanimados, alunos apáticos, famílias ausentes, escolas depredadas, uma educação em aberto.
Falar de educação é falar de vida, pessoas e relações que se estabelecem em um tempo e espaço.
Nessa perspectiva, proponho um revisita à nossa própria infância: na minha em especial ... Poucas lembranças habitam minha memória, porém, uma é presente: o CUIDADO das minhas, das suas, das nossas necessidades básicas, as de uma criança totalmente em estado de dependência. Chegamos ao mundo sem saber ao certo de onde viemos, onde estamos e para onde vamos. Aos poucos, marcas vão sendo parte de nossa história, compondo uma memória afetiva. Lembranças vagas: a forma em que fomos recebidos; o calor humano ou a frieza de alguém que apenas nos recebeu; o tom de voz em forma de melodia ou o grito desesperado; a primeira alimentação ou a privação do alimento; o desconforto do molhado ou o conforto do cuidado. Um cuidado como amparo.
Passado um tempo, a total dependência vai sendo mesclada com uma codependência (mãe - bebê), eles vão se distanciando e aos poucos aprendendo a cuidar de si ou cada um por si - se pensarmos aqui no momento atual em que nos encontramos. Lembranças vão sendo guardadas e substituídas por realidades, presença e ausência se misturam. “Nós, adultos, não compreendemos nossa própria infância” (Freud 1886, p. 10).
Nesse momento de codependência ou coausência, saímos do ambiente primário seguindo rumo ao secundário, ao nosso segundo mundo: a ESCOLA, uma instituição que ouvimos falar ser segura. É lá que iremos aprender a ler, fazer contas, brincar, conhecer pessoas novas e conhecer a querida professora. Segundo Meyer (2002, p. 8 ), quando a criança chega à escola, ela já traz consigo suas primeiras vivências com o saber apreendido em casa, suas relações com seus primeiros objetos de amor, seus pais.
Sendo assim, a escola passa a ser para a criança a continuidade de suas primeiras vivências em casa, que servirá como peça fundamental para o processo ensino-aprendizagem.
A aprendizagem no ambiente da Escola
Na perspectiva psicanalítica, a aprendizagem não foca os conteúdos, e sim o campo (vínculo) que se estabelece entre professor e aluno, o que pode favorecer ou não a condição para o aprender, independente dos conteúdos apresentados. Portanto, é importante compreender a transferência como “fenômeno universal da mente humana (...)” e que “domina o todo das relações de cada pessoa com seu ambiente humano” (Freud, 1976, p. 56). Um processo inconsciente, que pode se manifestar em sentimentos afetuosos e/ou hostis, que aparentemente podem não ter uma justificativa real, lógica. Muitas vezes são desafetos dirigidos ao professor, que não dizem respeito a ele e sim ao “lugar” que ele ocupa, ou ao que ele representa no discurso. Só assim o professor pode se tornar a figura a quem serão endereçados os interesses dos alunos.
A transferência se produz quando o desejo de saber do aluno se liga à pessoa do professor (com seu desejo de ensinar). O momento a que somos chamados diante desse quadro é o da coresponsabilidade, já que é na relação que se estabelece entre professor e aluno que pode ocorrer uma disponibilidade ao aprender.
O mal-estar que vem se instalando entre professores e alunos passa pelo endereçamento pessoal, ou seja, tomar a agressão para si é um erro que cometemos diariamente em nossas salas de aula e até mesmo em nossa vida pessoal.
De que modo é possível restabelecer o vínculo entre professor aluno? Reconhecer a importância de se diminuir o mal-estar nas escolas é buscar repensar um discurso que vem sendo sustentado em queixas e lamúrias. E levar em conta que o mal-estar é inerente ao ser humano, ele sempre estará presente.
Acredito que se pode propor uma reconciliação do possível com o desejável, do desejo de querer ser Professor, além do "estar professor" até que algo melhor apareça. Ser educador na atualidade é resgatar e legitimar seu lugar. Ser professor em um momento de tantas mudanças é perguntar-se: desejo ser educador? Estou a serviço de quem?
Quero ajudar a formar que tipo de sujeito?
O momento atual convida professores a mudarem de posição, saírem da queixa e passarem para a responsabilidade, ousar e reinventar uma nova forma de relacionarem-se consigo mesmo e com seus alunos. Saírem do lugar de espera: de serem cuidados, ora pela escola, ora pelo diretor, ora pelo médico, ora pela família. Esse cuidado deve vir de si, em primeiro lugar, para depois vir do outro.
Há uma urgência de um reposicionamento, cada um assumindo um lugar de autocuidado.
Existe um campo possível, o campo do autocuidado, para passarmos do eu-eu para eu-outro. Um cuidado que pode fazer uma conexão entre o possível e o desejável, como um começo para se pensar alternativas de sair do “mal-estar" educacional que vem afetando professores e alunos sob a forma de adoecimento. “Adoece o sujeito, por não conseguir simbolizar o mal-estar, não conseguir transformá-lo em palavras” (Diniz,1998, p. 206). Esse mal-estar estará evidente no discurso de professores, alunos, pedagogos e gestores se forem criadas oportunidades de escuta.
Repensar educação é começar a interrogar o mundo. De onde vem tanto fracasso escolar? Por que os alunos não aprendem na escola e, sim, fora dela? O que estamos ensinando?
Como olhar para o mundo
Olhar para o mundo hoje é aceitarmos que tudo é possível, o tempo-espaço mudou, no entanto, a educação ainda tateia seu lugar. Como compreender uma educação, um aluno, um processo, se muitas vezes não entendemos nossa própria origem?
Passeando por alguns pontos que me chamam atenção como educadora, observo que desde cedo pais e professores demandam que as crianças aprendam em determinado tempo e espaço. Prometem a elas que, ao estudarem, tirarem boas notas e serem bem comportadas, elas serão “bem sucedidas” na vida futura. Pode até ser, mas isso não é mais garantia. Defendo a ideia de que o tempo presente é que necessita ser repensado e reinterpretado. No futuro o ser bem-sucedido pode sim acontecer, porém, em sua relação com o tempo presente.
Enquanto a educação persistir em preparar o aluno para o futuro longínquo, para o mercado de trabalho mutante, ou mesmo classificando-o como fraco ou forte, vitorioso ou fracassado, do bem e do mal, continuaremos compactuando com uma educação como fim e não como meio.
Como proclamar novos discursos demagógico-pedagógicos, se crianças e jovens continuam sendo enfileirados, etiquetados e impostos a normas e regras rígidas, que nem eles mesmos reconhecem?
Na relação do aluno com o professor nem sempre há algo intencional, por parte deles, e sim um pedido de ajuda, uma fala solta, um olhar "pedinte". Acredito que tanto a Psicanálise quanto a educação podem propor uma reconciliação do possível com o desejável, uma forma de construir algo novo, partindo das relações subjetivas, do desejo de saber (aprender). Como diz Bernard Charlot (2000, p. 82), “a relação com o saber é o próprio sujeito, na medida em que deve aprender, apropriar-se do mundo, construir-se. E por que não a relação do cuidar de si para cuidar do outro”?
Afinal, de que educação tanto falamos?
Referências:

CHARLOT, Bernard. Da relação com o saber – elementos para uma teoria. Porto Alegre: Artmed, 2000.
DINIZ. “O mal-estar das mulheres professoras”. In: Lopes EMT ET AL. (Orgs): A Psicanálise Escuta a Educação. Belo Horizonte: Autentica,1998.
FREUD, Sigmund. "O mal-estar na civilização". In: ESB, vol. XXI. Brasileira. Rio de Janeiro: Imago, 1976
Por Jane Patrícia Haddad
*Jane Patricia Haddad é pedagoga, com especialização em Psicopedagogia, Docência do Ensino Superior e Psicanálise. Atuou por mais de 20 anos em escolas como professora, coordenadora pedagógica e diretora, é consultora institucional e conferencista. Autora dos livros: “Educação e Psicanálise: Vazio existencial” e “O Que Quer a Escola: Novos Olhares resultam em Outras Práticas”, ambos publicados pela editora Wak, do Rio de Janeiro. Atualmente cursa o Mestrado em Educação na Universidade Tuiuti no Paraná, onde seu tema de pesquisa é a Indisciplina Escolar

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